🌱 Isso parece papo de ficção científica, mas é algo que acontece com uma espécie conhecida há mais de 200 anos e usada por povos indígenas do sul da América do Sul, a Boquila trifoliolata.
A planta é endêmica do Chile e Argentina e é tão versátil que pode imitar as folhas de mais de uma dúzia de espécies, variando a forma, o tamanho e até a cor.
Esse fenômeno já era conhecido há algum tempo, mas um estudo com a participação do cientista brasileiro Felipe Yamashita revelou recentemente que a Boquila também pode imitar folhas de plantas sem nem mesmo estar em contato direto com elas.
O objetivo da cerimônia é “celebrar o incomum, homenagear a imaginação e estimular o interesse das pessoas na ciência, na medicina e na tecnologia”.
O nome do prêmio é um trocadilho em inglês com o Prêmio Nobel. “Ig Nobel” pode ser lido como “ignóbil”, que significa algo que não é “nobre”. Portanto, o apelido sugere uma premiação para pesquisas que, embora não sejam “nobres” ou tradicionais, são curiosas e engraçadas.
Anteriormente, os botânicos acreditavam que essa imitação da Boquila dependia do contato físico com a planta hospedeira.
Em 2014, o professor Ernesto Gianoli, um ecologista do Chile, observou que essas espécies cresciam sobre outras como uma trepadeira e mudavam o formato da folha de acordo com a planta hospedeira.
“Um único indivíduo de Boquila, ao crescer sobre três espécies diferentes, alterava a forma de suas folhas conforme a planta hospedeira”, conta Yamashita, doutor em Botânica pelo Instituto de Botânica Celular e Molecular da Universidade de Bonn, na Alemanha.
🔬 Giannulli, inclusive, publicou um artigo sobre isso e sugeriu duas hipóteses:
- a primeira era que as substâncias voláteis (compostos químicos que são liberados pelas plantas e podem se espalhar pelo ar) da planta hospedeira eram capturadas pela Boquila, fazendo com que ela mudasse de formato;
- a segunda era que micróbios da planta hospedeira eram transferidos para a Boquila, que então modificava seu material genético e, consequentemente, o formato de suas folhas.
Por causa disso, Yamashita e sua equipe decidiram realizar experimentos usando modelos de plástico.
🪴 A ideia aqui era isolar a Boquila da influência direta de compostos químicos e micróbios das plantas hospedeiras, para testar se a imitação das folhas ocorria mesmo na ausência desses fatores.
Com isso, eles observaram que, mesmo na ausência de contato direto, a espécie ainda adaptava a forma de suas folhas para corresponder ao modelo plástico.
👁️ Isso sugeriu que o processo de imitação poderia ser mais complexo do que se pensava, envolvendo uma forma de percepção visual ou outra forma de detecção não antes considerada.
“Conforme as plantas cresceram, elas começaram a imitar os modelos de plástico. Isso levou a nossa equipe a considerar uma nova hipótese: a planta pode ter algum tipo de ‘visão’ ou percepção do ambiente ao seu redor”, destaca Yamashita.
No experimento, a equipe só tinha quatro plantas da Boquila para trabalhar. Por isso, não foi possível criar um grupo de controle adequado, que é quando um grupo de plantas é separado para comparar os resultados e verificar a eficácia da hipótese científica.
Para contornar isso, Yamashita conta que usou folhas como controle. Em vez de ter plantas inteiras para comparar, utilizaram folhas e as compararam com as folhas da Boquila em contato com os modelos de plástico.
O cientista brasileiro Felipe Yamashita, premiado com o IgNobel por causa da sua pesquisa sobre uma espécie de planta conhecida há mais de 200 anos e usada por povos indígenas do sul da América do Sul. — Foto: Felipe Yamashita
Essa ideia de percepção visual não é algo novo. No começo do século XX, Gottlieb Haberlandt, um botânico austríaco, e Francis Darwin, filho do botânico britânico Charles Darwin, já falavam na hipótese de “visão de planta” ou “ocelo“, uma espécie de olho primitivo nesses seres-vivos.
Mas depois dessas propostas, o conceito caiu em desuso até que voltou a ganhar atenção recentemente.
Alguns estudos mostraram inclusive que cianobactérias como a Synechocystis usam suas células como lentes para focar a luz, o que sugere que mecanismos semelhantes poderiam existir em plantas mais avançadas.
🌿 Além disso, plantas como a Arabidopsis, uma pequena planta herbácea, nativa da Europa, Ásia e África, produzem proteínas associadas a estruturas básicas de visão, presentes em plastoglóbulos, corpúsculos que também estão envolvidos na coloração das folhas.
A receita faz sentido porque as células da camada externa das folhas das plantas funcionam como lentes, direcionando a luz para um ponto específico dentro da folha.
Nesse ponto, podem estar presentes elementos que ajudam a planta a crescer para um lado. E o experimento de Yamashita mostrou que o padrão das veias das folhas está ligado à distribuição de auxinas, hormônios que regulam o seu crescimento.
A ideia é que a Boquila usa essas células e elementos para ‘ver’ o ambiente ao seu redor. Ela pode concentrar as auxinas em um lado da folha, fazendo-a crescer para aquele lado conforme reage aos estímulos externos. Assim, a folha assume uma forma específica.
— Felipe Yamashita, doutor em Botânica pelo Instituto de Botânica Celular e Molecular da Universidade de Bonn, na Alemanha.
Esse mecanismo não é igual à visão dos animais, que possuem olhos complexos. Nas plantas, é um ajuste das células em resposta ao ambiente externo.
Por isso, realizar novos experimentos é essencial para confirmar a hipótese de que a planta pode “ver” e adaptar suas folhas conforme o ambiente.
Yamashita, conta, porém, que a propagação das plantas e a repetição dos experimentos são tarefas desafiadoras, exigindo tempo e recursos para garantir resultados consistentes que possam validar completamente a teoria.
📅 Fora isso, ele e sua equipe tiveram dificuldades para obter mais plantas entre 2020 e 2022, mas, com a ajuda de Simon, um jardineiro do Jardim Botânico da Universidade de Buenos Aires, conseguiram mais de 120 unidades até o final de 2022.
Outra questão é que a planta não cresce no inverno, então os pesquisadores tem um período limitado, de março a julho, para conduzir os testes e obter folhas jovens para análise.
Por esses motivos, novos experimentos com a espécie só puderam ser realizados este ano e no ano passado, e os resultados ainda não foram publicados.
A nova pesquisa, contudo, é importante porque os experimentos anteriores foram realizados com folhas de plástico em formato tridimensional, mas agora ele está utilizando um formato 2D para evitar críticas sobre o contato mecânico com as folhas feitas com o material.
Boquila trifoliolata imita folhas de planta hospedeira, inclusive aquelas feitas de plástico. — Foto: Felipe Yamashita
Já sobre a experiência de receber o prêmio, ele conta que soube primeiro da láurea quando foi contatado pela professora Maria Mercedes, da USP, membro do comitê do Ig Nobel. Na época, ele diz que não estava muito familiarizado com a cerimônia, então fez uma pesquisa e consultou seu orientador para entender melhor a importância e o impacto do reconhecimento.
“Percebi que os organizadores do prêmio escolhem palavras específicas dos artigos para criar um tom engraçado, como em um estudo sobre um peixe morto discutindo hidrodinâmica. Embora o prêmio possa parecer humorístico, há uma ciência interessante por trás dos estudos. O objetivo é fazer rir e, ao mesmo tempo, refletir sobre o conhecimento científico envolvido”, diz.
Agora, Yamashita explica que, após defender seu doutorado em agosto, está tentando encontrar oportunidades de pós-doutorado, tanto no Brasil quanto na Europa, para continuar suas pesquisas sobre a Boquila, a planta “copiona”.
O ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2007, Eric Maskin, joga um avião de papel durante a 34ª cerimônia anual dos Prêmios IgNobel, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Cambridge, Massachusetts, EUA, em 12 de setembro de 2024. — Foto: REUTERS/Brian Snyder
Veja por categoria os vencedores da 34ª edição:
A cerimônia do Ig Nobel foi realizada no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Cambridge, Massachusetts (EUA), e também contou com a entrega de mais nove prêmios. Veja todos abaixo:
- Paz: O prêmio foi para o psicólogo B.F. Skinner, que investigou se pombos vivos poderiam ser usados dentro de mísseis para guiar os projéteis aos alvos. Embora o experimento tenha sido bem-sucedido em mostrar um pombo treinado, o projeto foi abandonado.
- Botânica: Jacob White e Felipe Yamashita foram premiados por descobrir que a planta Boquila trifoliolata pode copiar as folhas de plantas artificiais ao seu redor. Isso sugere que as plantas podem ter algum tipo de percepção visual.
- Medicina: Um grupo de pesquisadores da Suíça, Alemanha e Bélgica ganhou o prêmio por mostrar que medicamentos falsificados com efeitos colaterais dolorosos podem ser mais eficazes em pacientes do que os que não causam dor.
- Física: James Liao, da Universidade da Flórida, recebeu o prêmio por sua pesquisa sobre trutas mortas.
- Probabilidade: Uma equipe de 50 pesquisadores, majoritariamente dos Países Baixos, comprovou a hipótese de Persi Diaconis de que moedas lançadas têm uma leve tendência a cair com o mesmo lado para cima, após 350.757 lançamentos.
- Química: Uma equipe de Amsterdã foi premiada por usar cromatografia para separar vermes “bêbados” de “sóbrios”. O estudo foi parte de uma pesquisa sobre ciência dos polímeros.
- Biologia: Fordyce Ely e William Petersen foram reconhecidos por seu experimento de 1940, que demonstrou que vacas produzem menos leite quando um gato está em suas costas e sacos de papel estouram perto delas.
- Anatomia: Roman Khonsari descobriu que há mais cabelos no couro cabeludo que espiralam no sentido anti-horário no hemisfério sul.
- Fisiologia: Takanori Takebe recebeu o prêmio por sua pesquisa com mamíferos que podem respirar através dos intestinos usando o ânus.
- Demografia: Saul Newman mostrou que registros de pessoas muito idosas vêm de lugares com vida curta e problemas como falta de certidões e fraudes. Isso desafia a validade dos recordes de idade extrema.
Destaques das edições anteriores
Veja abaixo os estudos premiados em anos anteriores do IgNobel: